Crônica da Poética
Outro dia comentávamos a revolução científica. Uma
teoria supera outra, assim as coisas vão se movimentando. Assim foi com Platão
e Aristóteles. Poderia vê-los sentados nos bancos do Restaurante Universitário,
às vezes até na fila do Xerox. Até mesmo inventar que eram os irmãos-tortos da
minha irmã. Usaria irmã pra vocês entenderem que estou afastada deles, enquanto
personagens. Caso contrário, ressaltaria nossa fraternidade com o signo-imagem.
Enquanto Platão rechaçava Doxa, Aristóteles lhe deu vida. Casal predestinado
logo se reconheceu. Tiveram as Mímeses. Duas gêmeas, carne e unha. Uma importante
intelectual e atriz carioca, a outra, mulher solitária de linguagem articulada.
A mais nova era um pouco tímida, mas excelente aluna. Esse mundo ideal dá
voltas. Uns minutos mudam tudo. Algumas vivências não precisam ser empíricas,
senão baseados na experiência da criação poética. Não é necessário que seja
real, sim, verossímil. O importante é perceber a construção do texto, os modos,
a intenção da poeta, aquela anedota se tornando real. Lembro-me do aniversário
do meu não-sobrinho. Em que as duas sentadas no sofá falavam sobre quando eram
mais novas e revezavam o namorado. Nada sádico, apenas queriam preencher uma
lista “antes dos 30”. A coisa não durou muito tempo, mas o rapaz leu, sem
desconfiar de nada. Leu-digo, deu. Deu o pé! Falou algo sobre inconstância e
saiu batendo a porta. É o tipo de situação em que, se não estiver atento ao tom
da voz, o timbre, você se perde. Essa rasteira das Mímeses passa imperceptível
a olhos desatentos. No último Natal as espiava no reflexo do espelho, de
repente a sala havia ficado povoada. Elas quase não se diferenciavam, não fosse
aquele artefato. Neste instante vi como seus gestos eram sincronizados. Por um
momento, pensei-me como telespectadora. Narradora onisciente da história
alheia. Não fiquei a tempo do fim da ceia, os aperitivos iniciais já
atrapalharam suficiente o meu reflexo, as irmãs já haviam se tornado uma única
mulher. Elas me envolveram. De repente eu era o rapaz, ou então, uma moça
mesmo, que caía na lábia. Antes que fosse tarde, inventei uma recente
intolerância à carne de Peru, me levantei e me despedi depressa. Só mesmo uma
desculpa dessas pra fazer a gente escrever, não é? Botar pra fora.
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