You’ve been Gilmore!
Se você foi (pré)adolescente nos anos 2000 e passou
as manhãs de sábado assistindo ao encontro dublado entre Lorelai e Rory Gilmore,
no SBT, saberá do que estou falando. Caso contrário, passe aquele café
fresquinho e entenda melhor sobre o que rola na produção americana Gilmore
Girls! Não vou me ater aos fatos biográficos. Isto é, não é meu intuito
analisar as relações entre a vida real dos atores e o contexto da narrativa
audiovisual. Quero que esse seja um convite, sem spoiler, aos que nunca viram o
seriado e aos que já são fãs, espero companhia pra essa viagem.
A série se passa em Stars Hollow e é uma narrativa
pra lá de elaborada. A solidez de seus personagens confirma uma estrutura bem
inovadora enquanto proposta do gênero série. Ao que parece, um seriado
comumente tem entre 45-55 falas, os diálogos de Gilmore Girls contemplam, por
episódio, entre 75-85 falas. Porém, a espontaneidade na atuação garante que
você nem se dê conta que o improviso não acontece quase nunca nas cenas, não há
espaço. Por falar nisso, a apresentação do cenário é algo interessante. Os
estabelecimentos de Stars Hollow, assim como a própria cidade e às casas dos
personagens, estão sempre e de fato em um segundo plano. O elemento central são
as falas e essa construção, a cada episódio mais consolidada, dos personagens.
Isso faz com que o espectador se sinta mais próximo do universo da trama. Ainda
que as personagens principais tenham aquele estereótipo de norte americanas
viciadas em hambúrguer e em filmes Hollywoodianos, nos sentimos íntimas daquele
contexto, daí em pouco tempo já faz falta escutar a imensas digressões de Rory,
ou procurar pelas referências musicais das falas da Lorelai. Lembro que nos
primeiros episódios me pegava pensando o porquê de Lorelai e Rory terem o mesmo
nome. Elas são tão descoladas que a minha cabeça não suportou tranquilamente o
fato da mãe, Lorelai ter sido pouco original. Lorelai e Lorelai, elas são tão
parecidas física e psicologicamente que funcionariam bem na idéia freudiana de
ego e alter-ego. Mas a segunda Lorelai logo vira Rory e tudo se resolve antes
de entrarmos na terapia disfarçada em digressão freudiana.
Além dos mils cafés que confirmam o vício das
protagonistas, na série, 340 livros são citados. A Rory é a louca dos livros,
mas não chega nem perto de ser a princesa resgatada pelo príncipe! Na verdade,
em um primeiro momento a fragilidade e a ingenuidade dão espaço pra essa
possível leitura, mas logo se percebe que na verdade é o príncipe que faz com
que essa sensação se instaure. A linearidade da personagem Rory se rompe com o
passar da trama e a o espectador logo se convence que ela é de carne e osso.
A aproximação dos personagens com o espectador
ocorre espontaneamente e é genial, assim como a proposta da Amy
Sherman-Palladino, autora da série, em criar como personagem principal de um
seriado, uma mãe solteira, que teve uma filha na adolescência. Logicamente, não
há apelo no que diz respeito à condição social das personagens, mesmo porque o
ambiente é cuidadosamente projetado e a maioria das cenas acontecem em cafés,
restaurantes ou casas bem estruturadas de classe média alta. Quando não, a elite
americana joga, pela tela, escargot na nossa cara. Ou seja, a série não
representa e nem busca visibilidade da minoria ou coisa do tipo, mas inaugura
uma narrativa audiovisual que se baseia na relação entre uma mãe-solteira e sua
filha. É interessante, inclusive, perceber que meio a classes sociais elevadas,
o fato de Lorelai ser mãe-solteira incita comentários maldosos e situações
constrangedoras. Essa nobreza facilmente
está atribuída à imagem de Emilly Gilmore, mãe de Lorelai e vó de Rory, que
desde a infância constrange sua filha, ao tentar encaixá-la nesse meio social.
A primeira temporada começa num contexto de reajuste
na relação de Lorelai e os avós de Rory, no entanto, sempre haverá aquela roupa
suja pra lavar nos jantares às sextas-feiras na casa dos Gilmore’s. Minuciosamente
decorada, a versão mais requintada do cenário da casa da Paola Bracho e do
Carlos Daniel na Usurpadora, seria uma ótima forma de descrever a mansão
Gilmore. Não que a trama se assemelhe à
narrativa dos dramas mexicanos porque não é por aí, mas é bacana perceber e
acessar através dessa forma seriada, uma linguagem mais densa enquanto
narrativa audiovisual.
A proposta do roteiro e produção de Gilmore Girls
merece uma resenha à parte, que fuja um pouco dos textos topicalizados com curiosidades,
que sim, são super bacanas...gosto de um que vi uma vez, que tem o signo de
cada personagem da série ~alerta humanas do zodiáco~ mas estampar tantas referências no que diz
respeito à ficção, à música e a à literatura, permite e motiva uma leitura,
talvez, mais formal, mas sobretudo, dinâmica e pautada na narrativa. Queria
poder analisar o perfil de cada personagem ~fazer o mapa astral~ e compreender
um pouco da complexa estrutura criada pela autora. Mas não há nem tempo, nem
espaço. Vocês estão atrasados, levem uma coberta quentinha, peguem uma xícara e
afundem no sofá, porque a Netflix tá disponibilizando as 7 temporadas completas
lá! Lembranças à Ms. Kim!
set.2016
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