O primeiro mentiroso e a proposta de um mundo sem ficção
Se você já teve tempo
livre o suficiente pra pensar como seria o mundo se não houvesse ficção, seu
lugar está contado pra essa viagem! Caso contrário, veja o filme The Invention
of Lying, de 2009 e vem comigo! A comédia romântica que foi ao ar em 2009 pode
parecer antiga aos olhos cibernéticos que buscam por novidades a todo momento,
mas a temática é bem atual e super vale a reflexão. Mark é um adulto frustrado
que trabalha de roteirista em uma sociedade em que a mentira não existe. Logo,
seu trabalho fica restrito à História, mais precisamente ele relata sobre os
acontecimentos em um período de século. É interessante que como não há
representação/mentira/ficção as propagandas são feitas sem esses recursos, por
isso quando no filme, passam propagandas de TV, são sempre frias, francas e
detestáveis. Nem a coca-cola se livrou dessa:
No entanto, é cômico
perceber como as relações sociais se estabelecem meio a esse encontro perigoso
com a verdade absoluta. A Jennifer Garner faz a Anna nesse filme. Ela é convidada para um jantar às cegas com
Mark e já nos primeiros momentos ela se declara insatisfeita com seu
pretendente. É legal ver que além deles não mentirem, eles também não tem
filtro pra sinceridade. Quando eles vão ao restaurante, Anna demora no banheiro
e volta à mesa comentando o presentinho que deixou no toilette, tudo em panos
limpos, ou nem tanto RS.
O problema ou a
solução começa quando Mark descobre que consegue mentir. Com várias desilusões
amorosas, financeiras e laborais, o protagonista chega ao ápice quando sua mãe
está no leito de morte e para confortá-la ele conta como é o céu. No entanto,
Mark não se dá conta de que acaba de falar a primeira mentira e mais, ele é
ouvido. Como as pessoas acreditam em todos, já que ninguém conta nenhuma
anedota, Mark começa a ter seguidores. Nesse momento, o filme cutuca fundo à
questão da manipulação pela religião.
Sabendo que podia
mentir, Mark consegue o dinheiro que precisava, a mulher que pretendia
conquistar e , de quebra, faz com que as pessoas acreditem que o paraíso é um
lugar lindo, repleto de mansões. Essa crença que se perpetua sob o filme e que,
até então, serviria apenas de conforto para uma senhora em estado terminal, o
torna o homem mais poderoso do mundo, daquele mundo.
Sempre me pego
pensando nesse filme quando a realidade tá inacreditável ou quando vejo aquelas
propagandas machistas de cerveja e penso que a total falta de ficção nos faria
um favor em uma hora dessas. Mas imaginem, um mundo sem mentira e sem filtro.
Sem a gente poder mentir na hora de responder o “tudo bem ?” ou sem poder dar
aquela exagerada enquanto conta do dia em que você foi com o pregador pendurado
na roupa pra aula, ficou aproximadamente 5h com aquela situação estilística na
faculdade e só percebeu quando chegou no banheiro de casa e se olhou no
espelho. Sem falar aquele filtro no Insta...péra, teria Insta?!
O mundo sem ficção é
um mundo impossível e impenetrável, pra mim. O equilíbrio, além de necessário,
é suficiente para manter-nos afastados do ciclo vicioso da mentira. Acho sim,
que a honestidade é uma virtude incrível, mas o mundo sem ficção teria uma proporção
exata demais pra me suportar. A arte assim como a linguagem, é uma eterna
freguesa da representação, sem ela ficamos a ermo, sonolentos e entediados. A
ausência de ambas ocasionaria num colapso mortal de monotonia. Mas não vão
achando que o filme é assim, na verdade, é super engraçado e satírico, nesse
ponto. Afinal de contas, uma das coisas que aprendemos sobre as produções
artísticas é que elas são feitas pra chocar, a atração ocorre pelo confronto.
Confrontemos, pois, a verdade absoluta através de uma realidade inventada em O
Primeiro Mentiroso! E aí, como seria o
mundo sem ficção?
set.2016
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